26 de janeiro de 2012

Todo mundo baixa - INTERNET


Maioria de usuários de internet ouvidos pelo Informátic@ nas ruas de Belo Horizonte admite fazer downloads considerados ilegais. Mas nem todos se veem como piratas


Como DJ aposentada, a atual designer gráfica Gabriela Abdalla, de 36 anos, é a favor do compartilhamento de arquivos na rede. “Sou totalmente contra esses projetos de leis norte-americanos. É antinatural. Baixo filmes, músicas e acho ótimo! Se pirata é o nome que dão a quem faz isso, então eu sou e não acho pejorativo”, defende a designer. Para ela, a internet deve ser livre e os direitos autorais no ambiente digital devem ser revistos, principalmente porque em sua antiga profissão os CDs importados eram caros e era preciso se virar com o que encontrava na rede.

“Sou contra a pirataria. Compro tudo original, sem imposto, no exterior. Minha sogra mora em Londres e traz.” O empresário Pedro Igor de Oliveira, de 32 anos, é a favor de projetos de lei antipirataria como a Stop On-Line Piracy Act - Sopa (sigla em inglês para lei de combate à pirataria on-line) e Protect Intelectual Property Act - Pipa (prevenção de ameaças reais à criatividade econômica e ao roubo de propriedade intelectual), mas “desde que não sejam aplicadas como na China”, ressalva. Para ele, a internet hoje é uma terra sem lei e colocar um arquivo na rede significa retirar os créditos do seu autor. “É um roubo não pagar por áudio e vídeo”, resume o empresário.

Se é assim tão simples a divisão entre mocinhos e bandidos, muita gente pode fazer parte do lado negro da força sem ao menos perceber. Emprestar livros e CDs reais não é crime. Mas, quando se trata de conteúdo em bits tudo muda de figura, afinal, a reprodução e distribuição é facilitada e em grande escala, com menor esforço. Os projetos de lei americanos que foram retirados da pauta do Congresso no dia 20 eram, em tese, destinados a coibir o roubo de propriedade intelectual na internet, o que, segundo o deputado republicano Lamar Smith, principal defensor do Sopa, gera um prejuízo de mais de US$ 100 bilhões por ano para a economia dos EUA. Para os opositores de Smith, os projetos em discussão na prática também poderiam abrir caminho para o monitoramento da web e invasão de privacidade.

O fato é que esta semana muitas pessoas reclamaram virtualmente que não conseguiam baixar nada na rede. O motivo? Diversos sites de downloads resolveram remover arquivos ilegais de seus portais. Outros retiraram a opção para compartilhamento ou estão bloqueados em território norte-americano. Fileserve, VideoBBB, Filepost, Uploaded.to, Filejungle, 4Shared e EnterUpload foram alguns dos serviços que tomaram providências depois que o Megaupload foi fechado pela Justiça americana.

Ameaça à internet

Para Bernardo Grossi, de 30 anos, advogado de Belo Horizonte especialista em direito da internet, as duas propostas que tramitavam no Congresso dos Estados Unidos e disseminaram protestos no mundo todo, se, por um lado, visam resguardar o direito à propriedade intelectual, por outro, afetam o uso da internet mundialmente. “Por razão de ordem histórica, todos os servidores e a estrutura da rede se localizam no território norte-americano. Uma possível aprovação das leis serviria como modelo de legislação para outros países”, pondera.

O empresário Pedro Igor de Oliveira acha roubo não pagar por um vídeo ou um áudio (Shirley Pacelli/EM/D. A Press)
O empresário Pedro Igor de Oliveira acha roubo não pagar por um vídeo ou um áudio
O perigo da aprovação das propostas é que, da forma como foram redigidas, os detentores de direitos autorais poderiam desligar o acesso a qualquer site, inclusive hospedado fora dos EUA. Desse modo, não haveria uma rede global, mas várias, uma em cada país. “Perderíamos um dos maiores benefícios da internet: conexão de fato”, resume o advogado. “Por exemplo, eu como autor de uma obra faria uma notificação extraoficial para o Google, Facebook ou operadora de cartão de crédito, determinando a exclusão imediata de certo conteúdo da internet. Se o site não fizer isso, torna-se responsável por ele. A empresa, não obedecendo, passa a responder pela infração. E ela não vai querer saber se é mesmo ilegal ou não, vai cumprir a ordem de bloqueio para se resguardar. Cria um mecanismo de censura”, explica Grossi. Para ele, a partir de um juízo subjetivo, os usuários podem ser punidos.

O especialista lembra que o Megaupload foi fechado (veja Linha do tempo) com base numa lei já existente, a Digital Millennium Copyright Act (DMCA), sigla para Lei dos direitos autorais do milênio digital. A DMCA traz uma série de mecanismos para responsabilizar e excluir um conteúdo ilegal da web. Sobre a Sopa e Pipa, Grossi é categórico ao afirmar que não é certo transformar em lei algo que não é aceito pela sociedade. “O grande conflito é essa cultura/revolução digital, que coloca em xeque essa forma de distribuição de conteúdo que é de um para muitos.”

Sopa passa do ponto

Demi Getschko, diretor-presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), indica pelo menos três pontos discutíveis sobre os projetos Sopa e Pipa. O primeiro é que eles responsabilizam intermediários. “Não faz sentido os provedores serem incumbidos do papel de censura”, ressalta o diretor. Se o usuário fez algo ilegal, a lei deve ser aplicada a ele.

A segunda discussão é que elas “atiram e depois perguntam”. Quando há uma denúncia, a página sairia do ar, para depois se investigar se o que foi publicado realmente ofende alguém ou não. E a última questão é sobre o desconforto mundial que a filtragem de conteúdo traria. Poderia ajudar a localizar o infrator, mas mapearia todo mundo “Querem aumentar o alcance dos meios de repressão. Não é porque é crime bater carteira que eu vou andar com um GPS nela para o caso de me furtarem”, brinca Getschko.

O diretor-presidente enfatiza que ninguém é contra o pagamento do produtor de arte, mas é preciso “remunerá-lo pela obra e não pela cópia”. Segundo ele há a necessidade de criar uma lei para novos crimes, mas não uma que controlaria todas as pessoas, uma espécie de Big Brother gigantesco.

Entenda o caso
» Sopa e Pipa
São leis muito semelhantes que pretendem combater a pirataria on-line de arquivos protegidos por direitos autorais. A Sopa (criada pelo deputado Lamar Smith)estava em discussão na Câmara dos Representantes e a Pipa (criada pelo senador Leahy Patrick), em debate no Senado. As propostas pretendem impedir o compartilhamento de arquivos por meio do bloqueio Domain Name System (DNS), sigla em inglês para sistema de nomes de domínios. A prática é a mesma utilizada pela China, fortemente criticada por censura digital pelos Estados Unidos. O DNS converte os sites digitados em um endereço de IP. As leis bloqueariam o acesso a certos domínios. Os motores de buscas também não apresentariam em seus resultados essa lista negra de conteúdo ilegal.

» Linha do tempo
26/10/11
O projeto de lei Sopa é apresentado à Câmara dos Representantes por um grupo bipartidário de legisladores

14/01/12
Casa Branca se posiciona contra cláusulas importantes dos projetos Sopa e Pipa

(Getty Images/AFP)
18/01/12
Site colaborativo Wikipedia na versão em inglês sai do ar em protesto contra os projetos de lei. Google coloca tarja preta sobre logo. Mais de sete mil sites fazem manifestações

19/01/12
Fechamento do Megaupload (serviço de compartilhamento de arquivos) e prisão do fundador do site

19/01/12
Dez sites derrubados em 20 minutos é o saldo do grupo de hackers ativistas Anonymous em protesto contra o fechamento do Megaupload

20/01/12
Deputado republicano Lamar Smith tira a proposta Sopa de pauta. A votação da Pipa é adiada

23/01/12
Anonymous invade o site da Sony e coloca links para baixar todo o conteúdo. Hollywood pode retirar apoio financeiro ao presidente dos EUA, Barack Obama. O pronunciamento foi feito por Chris Dodd, diretor-chefe da Associação Cinematográfica Norte-Americana. Sites de downloads, como o popular 4Shared, retiram conteúdo ilegal do ar com medo de fiscalização da Justiça

(mano tama/getty images/afp)
Acta corre por fora
Muito tem se discutido sobre Sopa e Pipa, mas poucas pessoas sabem que ainda existe outra ameaça à liberdade na rede: o Anti-Counterfeiting Trade Agreement ou Acta( sigla em inglês para Acordo de comércio antipirataria). O Acta é um tratado internacional que circula em segredo e pretende criar normas rigorosas sobre os direitos de propriedade. Para garantir isso, as leis podem invadir a privacidade dos usuários e exigir pagamento de multas de quem desobedecê-las. Estados Unidos, Nova Zelândia, Canadá, Japão e Austrália já assinaram o acordo.


O povo fala
Você se considera um pirata?

Marcelo Silva, 45 anos, consultor de sistemas
“Estou numa febre de seriados e baixo as temporadas pela internet. Só tem pirataria no Brasil, porque o original é muito caro. Acho que essas leis não vingam”

João Fabrício Moreira, 21 anos, militar do exército
“Faço downloads de filmes que ainda nem estão em cartaz, mas não me considero um pirata por isso”

Daividson Graciano, 26 anos, auxiliar administrativo
“Baixo música e filmes. Não comercializo, é para favorecimento pessoal, então não é errado”

Hugo Gusmão, 21 anos, professor de francês
“A internet até então é livre, mas uma lei aprovada nos Estados Unidos afeta o mundo todo. Alegam direitos autorais, mas muitos cantores apoiaram os protestos contra. As empresas querem faturar ainda mais. Baixo arquivos, mas não me considero pirata, porque também deixo documentos que podem ser usados por outras pessoas. É uma troca”

Patrícia Abdanur, 31 anos, professora universitária
“Música eu baixo pelo iTunes e vejo filmes pelo NetMovies. Gosto de comprar CDs originais. Tudo que é radical é complicado. Se aprovadas, essas leis dificultariam o acesso à informação. Uso redes sociais como ferramenta de contato com os alunos”